terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Projeto CUIC: uma outra perspectiva para "aprender Direito”

Judith Martins-Costa[1]


Um livro lido quando iniciava minha vida como professora da UFRGS, El aprendizaje del aprendizaje, de Juan Ramón Cappela, ajudou-me a compreender que há várias formas de aprendizagem: dentre as não-patológicas (que infelizmente, existem, e não são raras) estão a de mera manutenção, que nos ajuda na sobrevivência básica; a de atualização, praticada comumente na universidade; e a de inovação que consiste em aprender a enfrentar problemas e situações distintos dos conhecidos por quem ensina, dando-lhes soluções inéditas, pois aprender não é repetir nem recordar e, muito menos, decorar.
O difícil, porém, é que a aprendizagem inovadora nem pode ser ensinada diretamente nem depende exclusivamente da atividade de investigação e pesquisa, embora esteja a esta vinculada. A atividade dos professores apenas pode contribuir para a aprendizagem inovadora, diz ainda Cappela, se consegue transmitir não apenas os resultados de sua investigação, mas, fundamentalmente, a problemática que esses resultados colocam, ou, dito de outro modo, as perguntas para as quais quem ensina não tem respostas.
Fui encontrar reflexo prático dessa concepção já quase ao final do período de minha docência na UFRGS, por meio do CUIC, essa sigla que se transfigura e concretiza no corpo, alma, voz, inteligência e entusiasmo imbatível de cada um dos estudantes decididos a romper o círculo de giz que encapsula os juristas e transforma as faculdades de Direito, modo geral, no massificado locus de “aulários” (Capella), preparatórios – e, muitas vezes, mal preparatórios – de burocratas do pensamento.
A palavra ‘entusiasmo’ não foi acima empregada por acaso. Nas suas raízes gregas está o adjetivo entheos, isto é, ‘inspirado por um deus’. É, certamente, o deus da cultura que inspira o CUIC em cujo Estatuto está o escopo ‘precípuo’ de  ‘proporcionar a interdisciplinaridade e o estudo das diferentes espécies de Artes, sempre sob o viés crítico’. O escopo vem sendo cumprido desde os finais de 2009. Realizou-se, então, o I Ciclo de Cinema em História do Direito, discutindo -, com Laura Beck Varela e Daniel Mitidiero e com o auxílio dos filmes Le Retour de Martin Guerre e A última viagem do juiz Feng -, o funcionamento da Justiça no Antigo Regime, pois sabem os integrantes do CUIC não existir projeto intelectual digno deste nome se afastadas as exigências da historicidade e da interdisciplinariedade. Seguiu-se seminário sobre Crime, Processo e Pena, presentes Kathrin Rosenfield, Danilo Knijnik, Alexandre Wunderlich, Moysés da Fontoura Pinto Neto, Tupinambá Pinto de Azevedo, Salo de Carvalho e Alexandre Costi Pandolfo a discutir questões suscitadas por As bruxas de SalemDoze homens e uma sentençaSeção Especial de Justiça; e Julgamento em Nuremberg. e, ainda, mais recentemente, o encontro Aborto: questões éticas e jurídicas, o filme O Aborto dos Outros, sendo o fio condutor de um debate com  José Roberto Goldim e Salo de Carvalho, e a mediação de Lucas do Nascimento, Dóris Amaral Kümmel e Clarissa de Baumont, integrando, exemplarmente, CUIC, CAAR e Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais (GCrim/UFRGS).
Para um ano, foi bastante – e não foi tudo. Conquanto verdadeiramente entusiasmante, o Projeto Cinema em Cena (CiCe) não esgota as atividades do CUIC. Seus membros também atuaram em debates do seminário MalEstar na Cultura, coordenado, em 2010, por Kathrin Rosenfeld e estiveram presentes na Semana Cultural da Faculdade de Direito, sempre buscando a integração entre os diferentes cursos universitários, único modo de dar sentido à palavra “universidade”. E, sobretudo, têm suas atividades ensinado a professores e alunos que uma aprendizagem inovadora não apenas desvela a relatividade das nossas certezas: dá-se fundamentalmente quando, mudando a perspectiva, habilitamo-nos a fazer perguntas para as quais não temos respostas.



[1] Judith Martins-Costa foi, até outubro de 2010, Professora da Faculdade de Direito da  UFRGS, onde lecionou Direito Civil e coordenou seminários sobre Teoria Geral do Direito Privado, Fundamentos Culturais do Direito Privado e Direito e Literatura, dentre outros. Foi Coordenadora Acadêmica do Círculo Universitário de Integração e Cultura - CUIC entre novembro de 2009 a outubro de 2010. Livre Docente e Doutora pela Universidade de São Paulo, é autora de livros de doutrina jurídica.

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